Karenine

Karenine é o cão de Tomas e Tereza, personagens de A insustentável leveza do ser, de Milan Kundera. Representa a bondade como oposição ao fundo do ser humano (num cenário que é controlado pelo regime soviético). A beleza de um cão é fascinante. O Tó, por exemplo, tinha um cão que o mordeu, por isso teve de se desfazer dele. No entanto, quando se fala do cão, o Tó chora, sente a sua falta, como se tivesse encontrado naquele animal a única forma de poder ser compreendido, de ser amado e acompanhado incondicionalmente. 

Entre nós, humanos, parece existir quase sempre uma obrigatoriedade dentro do amor. Pedimo-lo e damo-lo porque o queremos de volta. Há uma passagem de que eu gosto muito no livro de Kundera, no capítulo “O sorriso de Karenine”: “É um amor desinteressado. Tereza não quer nada de Karenine. Nem sequer exige que ele a ame. Nunca se atormentou com as perguntas que atormentam os homens e as mulheres: gostará ele de mim? Já terá amado alguém mais do que me ama a mim? Amar-me-á mais do que eu o amo? Todas essas perguntas que questionam o amor, que o medem, perscrutam, o inspeccionam, arriscarão a matá-lo na casca? Se somos incapazes de amar, talvez seja por desejarmos ser amados, ou seja, por queremos alguma coisa do outro (o seu amor), em vez de chegarmos junto dele sem reivindicações e não querermos senão a sua simples presença.” 

Conversei com o meu pai sobre os cães que já fizeram parte da nossa vida. Todos eles se tornaram especiais de alguma forma. O Gipsy, o Sugar, a Dama, o Sun, o Quima. Às vezes, só queremos ser compreendidos sem as palavras. Não é necessário que alguém nos diga eu percebo-te. É preciso, isso sim, que o amor consiga respirar na leveza, longe dos muros que nos separam, longe da ideia de posse, que é a de se achar que se pode ter alguém. O amor acontece quando simplesmente estamos.