I feel there is no question about it:
Almost anything you can imagine
Almost any goal
You will get there.

 


Quem sabe eu vá me encontrar
Por aí.

As pessoas que sentem em si o vazio nunca saram através da fusão com outros indivíduos incompletos. Pelo contrário, uma parelha de aves de asa partida redunda em voos desajeitados. Não há paciência que lhes valha, e, por fim, têm de ser obrigadas a separar-se para sararem individualmente. 

Irvin D. Yalom, em A Psicologia do Amor.

Esta espectral textura da obscuridade, esta melodia nos ossos, este sopro de silêncios diversos, este ir para baixo por baixo, esta galeria escura, escura, este afundar-se sem se afundar.

O que estou a dizer? Está escuro e quero entrar. Não sei o que dizer mais. (Eu não quero dizer, eu quero entrar.) A dor nos ossos, a linguagem destruída a pauladas, pouco a pouco reconstruir o diagrama da irrealidade.

Possessões não tenho (isto é seguro; enfim algo seguro). Depois uma melodia. É uma melodia plangente, uma luz lilás, uma iminência sem destinatário. Vejo a melodia. Presença de uma luz alaranjada. Sem o teu olhar não vou saber viver, também isto é seguro. Suscito-te, ressuscito-te. E disse-me que saíra para o vento e fora de casa em casa perguntando se estava.

Passo nua com um círio na mão, castelo frio, jardim das delícias. A solidão não é estar parada no molhe, de madrugada, olhando a água com avidez. A solidão é não a poder dizer por não poder circundá-la por não poder dar-lhe um rosto por não poder torná-la sinónima de uma paisagem. A solidão seria esta melodia destruída das minhas frases.

Alejandra Pizarnik, em Antologia Poética.

Histórias amorosas antigas. A história de Orfeu e Eurídice
Orfeu, filho de Apolo e da musa Calíope, portador de uma lira que encanta todos os vivos, animais e humanos, todas as baixas e altas montanhas, pequenos e longos rios e mares, frutuosas ou secas árvores e plantas. Tudo é seduzido pelo som de Orfeu. 
Há depois muitas variantes desta história, mas aqui vai uma possível síntese rápida: Orfeu totalmente apaixonado por Eurídice, esta morre, mordida por uma cobra. 
Orfeu e Eurídice; Adão e Eva; e muitos outros casais míticos onde a cobra intervém com muitas maldades e bem más. Uma cobra quase sempre na última sala dos medos mais humanos. 

Mas deixemos os muitos detalhes desta morte. A mitologia tem desvios infinitos.
O importante aqui: Orfeu vai buscá-la ao mundo dos mortos; é autorizado a isso. A sua música convence todos. O primeiro dos músicos: Orfeu não argumenta, encanta. 
Mas o seu grande amor por Eurídice é o motivo principal desta excepção radical na mitologia: poder resgatar um morto e levá-lo de novo para o mundo dos vivos. 
As ressurreições raríssimas, mesmo na infinita imaginação dos gregos.
Como se fosse algo tão sagrado - um morto que ressuscita - que mesmo a imaginação tivesse algum pudor em relatar esse milagre. 
Uma condição foi posta: Orfeu, quando estiver no mundo dos mortos, não poderá olhar para trás.
Se o fizer, Eurídice ficará morta, continuará morta (continuar morto, expressão estranha, quase provocatória).

Orfeu vai à frente, Eurídice atrás, os dois por um corredor escuro que sai do mundo dos mortos para o mundo dos vivos. 
Nada se vê, é preciso caminhar, ter confiança; fé, portanto.
Orfeu talvez tenha deixado de ouvir, primeiro os passos e depois a respiração de Eurídice; fica ansioso. Estará ela ainda atrás de mim, o que terá acontecido?
O silêncio atrás de Orfeu torna-se insuportável. Ela segue-me ou não?
Orfeu vira-se; erro definitivo: Eurídice estava lá, atrás dele, seguia-o, silenciosa. Mas agora é tarde demais. 
Orfeu terá perdido a fé, por momentos, talvez tenha sido isso. Não olhar para trás, ter fé. Mas erro que envolve a morte é erro definitivo. 
Por causa disso, Eurídice não poderá sair do reino dos mortos. Era o compromisso, Orfeu não poderia olhar para trás.
Em muitos mitos e parábolas, esta questão do estranho pecado (talvez o oitavo) de olhar para trás. 
Viver sem olhar por cima do ombro. Viver sem consciência da nuca.
(...)

Orfeu sai de novo para a luz viva; está vivo, sim, mas sozinho; está, pois, desfeito. A sua vida em pedaços (e em breve também o seu corpo).
Passam os dias e muitas mulheres o desejam, ele ignora-as, só pensa em Eurídice. Jurou nunca mais amar ninguém.
As mulheres rejeitadas ficam loucas, possessas. 
Em bando e bêbadas vingam-se, desfazem o corpo de Orfeu, o corpo que as havia ignorado. 
(...)
"Mesmo quando a cabeça ia, arrancada, rolando na corrente de Hebro Eagro, se lhe ouvia a gritar gelada língua 'Eurídice!', teu nome, e repetia sua expirante boca um eco: 'Eurídice'."
Pois é isto, uma das mais potentes manifestações amorosas clássicas. 

Gonçalo M. Tavares, no Expresso.

 


Portrait of a Lady on Fire (2019)



Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para enfrentarmos juntos o terror da morte
Para ver a verdade para perder o medo

Ao lado dos teus passos caminhei

Por ti deixei meu reino meu segredo
Minha rápida noite meu silêncio
Minha pérola redonda e seu oriente
Meu espelho minha vida minha imagem
E abandonei os jardins do paraíso

Cá fora à luz sem véu do dia duro
Sem os espelhos vi que estava nua
E ao descampado se chamava tempo

Por isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento.


Sophia de Mello Breyner Andresen, em Livro Sexto.
E, tendo-te perdido, te perderei para sempre.
Nunca estive tão longe e tão perto de tudo.
Só me faltavas tu para me faltar tudo,
as palavras e o silêncio, sobretudo este.

Excerto do Poema Palavras não, de Manuel António Pina.
Procurava-te nas estrelas
ao interrogá-las em criança.
Perguntei às montanhas por ti
mas poucas vezes me deram
solidão e breve paz.
Porque faltavas, nas longas noites
fantasiei a blasfémia insensata
que o mundo era um erro de Deus,
e eu um erro do mundo.
E quando, perante a morte,
gritei "não" com toda a força,
que ainda não estava acabado,
que muito ainda tinha para fazer,
era porque estavas comigo,
tu comigo ao lado, tal como hoje,
um homem, uma mulher sob o sol.
Regressei porque existias.

Poema de Primo Levi, dedicado à mulher, Lucia Morpurgo.
Se realmente me procuras
mais cedo ou mais tarde
encontrar-me-ás
Sou eu que respiro
quando respiras

Kabir, em O nome Daquele que não tem nome.

But I'd heal your wounds if you bleed.

Recebe este rosto meu, mudo, mendigo.
Recebe este amor que te peço.
Recebe o que há em mim que és tu.

Alejandra Pizarnik, no poema No teu Aniversário, do livro Antologia Poética. 

É já tempo de não esperar ninguém.
Passa o amor, fugaz e silencioso
como ao longe um comboio nocturno.
Não resta ninguém, é hora de voltar
ao desolado reino do absurdo, 
a sentir culpa, ao vulgar medo
de perder o que estava já perdido.
À inútil e sórdida moral.
É já hora de dar por vencido
no trabalho, a sós, outro Inverno.
Quantos faltam ainda, e que sentido
tem esta vida onde te procurei,
se chegou já a hora tão temida
de confirmar que nunca exististe?

Joan Margarit, no poema ELA, do livro Lacrau.

Tomavam-na por minha avó, sobretudo na infância, quando andávamos juntos na rua. Sei que gostava discretamente desse equívoco, e nem era bem um equívoco. Agora já não andará mais comigo. É a nossa infância que morre quando morrem aqueles a que ela assistiram, ou é já o começo de da nossa morte, porque a infância, que nos fez, deixa de ter outras testemunhas?
Recebi a notícia da sua morte na sexta-feira de Páscoa. É difícil imaginar uma data que se lhe adequasse tanto. Porque ela não sabia do sofrimento por terceiros, mas por experiência própria; e porque acreditava, com mais fé ainda do que a proverbial "fé do carvoeiro", que a morte não é o fim. Dizer que era a pessoa mais cristã que já conheci talvez não peque por exagero. O que me impressionou em tempos, e agora ainda me impressiona mais, é que conseguisse, não sei se por causa da fé, dar aquilo que não tinha, que nunca tinha tido, que dava naturalmente sem que tivesse recebido. 

Pedro Mexia, no Expresso. 

Porque há o direito ao grito.
Então eu grito.

Clarice Lispector, em A hora da estrela.

 



Viver (Akira Kurosawa, 1952)

 


I should go now quietly
For my bones have found a place
To lie down and sleep
Where all my layers can become reeds
All my limbs can become trees
All my children can become me
What a' mess I leave
To follow.


"Berta was an Indigenous Lenca land defender, from Honduras, who was murdered 5 years ago. The injustice of her death feels like it became an emblem of strength for community to gather with unwavering defence in support of what she believed in, with a call for humankind to wake up to the importance of the protection of the environment."

Comet (2014)

 

Às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco.

Clarice Lispector, em A descoberta do mundo.

Não, a solidão não tem de ser melancólica e triste, de todo. Pode, pelo contrário, estar ligada a uma experiência de plenitude. Quando confrontados com a riqueza do mundo ficamos por vezes indefesos, apreendemos apenas fragmentos, restos. A mesma coisa acontece quando vemos um quadro num museu: temos de dar um passo atrás, para vermos o quadro inteiro. A solidão é exactamente esse passo atrás.

Adam Zagajewski, citado por Pedro Mexia, no Expresso. 

Daniel Faria teria hoje 50 anos.

A noite veloz bate a lâmpada azul contra as casas
A luz que estilhaça
A sirene. A noite bate na luz da lâmpada
Quebrando-a

Soubesse eu a canção que cantam os mortos para não adormecer
Soubesse eu soldar o silêncio

Existe sempre alguém que passa e que bate na noite
A zumbidora lâmpada azul para não adormecer
Na morte

Soubesse eu estilhaçar a noite. Soubesse eu morrer
Iluminando

Daniel Faria, em Poesia. 

 








Finding Vivian Maier (2013)


Dear Lataban and Mila,

It seems to me that many of the great artists, especially in music, appear to possess a wildly conflicted sense of themselves, yet persistently pursue their own uniqueness, even when it runs at odds with the orthodoxies of the day. They tend to be outliers, abyss-gazers and misfits, whose sense of isolation is further amplified by their notoriety, and who use their art as a way of connecting to people and legitimising their own strangeness. They understand, on some level, that it is the nature of their vocation to steal across the borders of convention, collect up ideas and bring them back to the world. This requires a certain reckless spirit and it may be that some spend too long on the other side and that it becomes difficult for them to return. However, whether any of this is actual mental illness, I don’t know. This term feels too elastic, too nebulous to comment.

Whether being hurt is a necessary requirement to creativity is only true in so much as to live is partly to suffer. You cannot create without suffering, because you cannot live without suffering. One of the jobs of a songwriter, as I see it, is to develop strategies to help people transcend their sorrows. This is the unique duality of a great song – that it can reflect back at the listener the extent of their own hurt, yet lift them beyond it at the same time. How often have we wept ourselves to transcendence through music?

Part of the process for the songwriter is to stay alert to the nature of their own wounds without indulging them, to gravitate towards happiness when possible, to venture beyond convention and acceptability without losing oneself, to understand that our most treasured beliefs exist on the far side of what we think we know, and to go there cautiously, yet fearlessly and, perhaps most importantly of all, to remember to return.

Love, Nick

Há em todas as coisas uma mais-que-coisa
fitando-nos como se dissesse: “Sou eu”,
algo que já lá não está ou se perdeu
antes da coisa, e essa perda é que é a coisa.

Em certas tardes altas, absolutas,
quando o mundo por fim nos recebe
como se também nós fôssemos mundo,
a nossa própria ausência é uma coisa.

Então acorda a casa e os livros imaginam-nos
do tamanho da sua solidão.
Também nós tivemos um nome
mas, se alguma vez o ouvimos, não o reconhecemos.

Manuel António Pina, em Todas as Palavras. 

 

~

In the mood for love (2000)

 

Some dreams are better when they end.

O primeiro passo para qualquer mudança terapêutica é assumir a responsabilidade. Quando não nos sentimos, de modo algum, responsáveis pelas circunstâncias difíceis em que nos encontramos, como poderemos alterá-las?

Irvin D. Yalom, em A psicologia do amor. 

Eu não quero a ternura
quero o fogo
a chama da loucura desatada

quero a febre dos sentidos
e o desejo
o tumulto da paixão arrebatada

Eu não quero só o olhar
quero o corpo
abismo de navalha que nos mata

quero o cume da avidez
e do delírio
sequiosa faminta apaixonada

Eu não quero o deleite
do amor
quero tudo o que é voraz

Eu quero a lava

Maria Teresa Horta, em Estranhezas.