I carry your heart with me.
(I carry it in my heart).

E.E.Cummings

I used to make long speeches to you after you left. I used to talk to you all the time, even though I was alone. I walked around for months talking to you. Now I don’t know what to say.

Paris, Texas (1984) dir. Wim Wenders
Foi uma promessa falar deste silêncio que cai sobre nós sem o compreendermos muito bem. Quando começou, de onde veio, por que razão aconteceu no meio de coisas tão boas. Acontece vezes sem conta na amizade: um de nós fica ferido, julga-se ferido de morte e vira costas a tudo o que foi erguido durante meses, anos, às vezes décadas. Nos amigos, penso eu, é mais fácil reverter a situação. Vamos ao encontro deles e eles ao nosso. E rimos das asneiras mútuas. Reatamos aos poucos a emoção de estarmos outra vez juntos. Queremos voltar ao que éramos, e voltamos muitas vezes. Já no amor, a conversa é outra. Prometi à minha filha falar disto como quem fala de uma amizade subitamente perdida, bruscamente neste presente. Porquê? A idade dos porquês repete-se vida fora. Na amizade dói muito. No amor, dói muito mais. Estávamos à mesa quando lhe falei das coisas por que já passei. Agora que os 50 anos chegaram, e já os posso ver como se fossem um marco, ou até uma espécie de pódio, também tenho a capacidade de parodiar aquilo que foi mágoa. Um amarfanhar de ego e coração, e tudo o que cabe na capacidade infinita (parece-me infinita) de sentir. Qualquer idade é falível, ridícula, estupidamente frágil. Em qualquer idade, a falta de respostas é incompreensível, por mais que a vida se prolongue. Não estava muito longe do que sou agora, quando alguém, que parecia gostar desalmadamente de mim, me deixou em silêncio. Esses dias, os que pressentem no ar que algo aconteceu, são os que precedem a guilhotina. Já sabemos que vai acontecer. Há, no entanto, ali uma esperança de que algo se reverta a nosso favor, sabendo que o veredicto raras vezes nos vai favorecer. No amor, raras vezes há misericórdia. Farejamos a tragédia, quando esta já prestes a declarar-se, mas ainda não foi pronunciada. Às vezes, nunca será. Das piores sensações que tenho na vida, e essas nunca se apagarão, são das pessoas que nos cortejaram para depois nos abandonarem em silêncio. Deixam-nos com uma mensagem em suspenso, que depois arrastará a nossa humilhação, a nossa degradação, a nossa auto-comiseração. Esvaímo-nos em perguntas, querendo saber o que fizemos de errado, o que temos de anómalo, se somos ou fomos inadequados. E nunca virá do outro uma resposta. Sabem porquê? Falta coragem. E falta-nos a todos em algum momento.

Inês Maria Meneses, na crónica As palavras que faltaram, do podcast O coração ainda bate.

É-se eterno dentro de nós.
(...)
A tarde apaga-se lenta, a Deolinda deve estar a vir aquecer-me o jantar. E eu suspenso a obsessão de te dizer todo o maravilhoso de ti, antes de te imaginar a breve ruga na face e ouvir-te dizer que tolice. Não digas. Se te sentasses aqui à braseira. E se te demorasses comigo um pouco e olhássemos em silêncio a grande noite que desce. Em silêncio. Não te dizer mais nada. E tomar-te apenas a tua mão franzina na minha. E sorrires.

Vergílio Ferreira, em Cartas a Sandra.

De súbito desce mais intensa a melancolia da tua memória, uma saudade terrível, a tua imagem fugitiva. E de novo a súplica humilde - não morras, a violência da minha ternura. Quanto tempo tem a vida ainda para mim? E pensar que nunca mais estarás. É difícil. Nunca mais. É mesmo incompreensível e só ao fim de muitos anos é que se irá entendendo. E à medida que se entende fica a mágoa que se aceita. A tristeza apaziguada no cansaço e num certo retorno mental. No esvaziamento total de qualquer interesse, a não ser o meu amar-te, mesmo em vazio. Estou a ouvir a tua palavra oblíqua - que tolice. E todavia, vê tu, estou a ponto de construir no meu nada de tudo uma ideia de redenção com a memória de ti para esse nada que é meu. Está uma tarde sufocante, vou deixar que ela se cumpra na sua fadiga e o sol se apague na noite. Voltarei a escrever-te - voltarei?

Vergílio Ferreira, em Cartas a Sandra.

 


We're so helpless
We're slaves to our impulses
We're afraid of our emotions
And no one knows where the shore is.
The surest way to avoid a broken heart is to love nothing and no-one — not your partner, your child, your mother or father, your brothers or sisters; not your friends; not your neighbour; not your dog or your cat; not your football team, your garden, your granny or your job. In short, love not the world and love nothing in it. Beware of the things that draw you to love — music, art, literature, cinema, philosophy, nature and religion. Keep your heart narrow, hard, cynical, invulnerable, impenetrable, and shun small acts of kindness; be not merciful, forgiving, generous or charitable — these acts expand the heart and make you susceptible to love — because as Neil Young so plainly and painfully sings, 'Only love can break your heart.' In short, resist love, because real love, big love, true love, fierce love, is a perilous thing, and travels surely towards its devastation. A broken heart — that grief of love — is always love’s true destination. This is the covenant of love.

However, to resist love and inoculate yourself against heartbreak is to reject life itself, for to love is your primary human function. It is your duty to love in whatever way you can, and to move boldly into that love — deeply, dangerously and recklessly — and restore the world with your awe and wonder. This world is in urgent need — desperate, crucial need — and is crying out for love, your love. It cannot survive without it.

To love the world is a participatory and reciprocal action — for what you give to the world, the world returns to you, many fold, and you will live days of love that will make your head spin, that you will treasure for all time. You will discover that love, radical love, is a kind of supercharged aliveness, and all that is of true value in the world is animated by it. And, yes, heartache awaits love’s end, but you find in time that this too is a gift — this little death — from which you are reborn, time and again. I have only one piece of advice for you, and it is the very best that I can give. Love. The world is waiting.

Nick Cave.
55.
Ainda estamos cá.

Temporizador

Ainda não estou a dormir, pai.
Ouço os latidos dos cães lá fora.
São cães mortos e já enterrados
nos buracos que me guardam o sono.
A lua é uma lâmpada
que incendeia o cortinado
e a rua é paisagem de tinta escura.

Ainda não estou a dormir, pai.
Há o Inverno que se infiltra no corpo,
e que vem de fora para dentro,
nunca o contrário.
Os grilos assobiam para celebrar a noite,
mas são grilos mortos,
e os ratos que rebolam no sótão 
são ratos mortos também.

Ainda não estou a dormir, pai.
A televisão expulsa uma claridade 
que me cega,
memória que atiro contra mim.
Colocas o temporizador?
E se ficasses mais um pouco?,
pois é ainda tão longa a vida
e é ainda tão cedo para desligar
o mundo.

Vais-te já deitar?
Então, boa noite, 
mas deixa que te faça uma pergunta:
qual é a função deste medo?
e outra:
para que serve a escuridão?
Sim, hoje estás muito cansado,
mas promete que amanhã
me explicarás tudo. 

d.m.
A solidão: doce ausência de olhares. 

Milan Kundera, em A imortalidade.