É uma das coisas da vida. Andamos todos à procura de um lugar seguro.

Julian Barnes, em A única história. 

Toda a gente tem a sua história de amor. Toda a gente. Pode ter sido um fiasco, pode ter-se evaporado, pode nem ter tido pernas para andar, pode ter sido só na cabeça, que isso não a torna menos real. Às vezes torna-a mais real. Às vezes vemos um casal, parecem entediados de morte um com o outro e não conseguimos imaginá-los a terem algo em comum, nem a razão por que ainda vivem juntos. Mas não é só o hábito ou indulgência ou conveniência, nada disso. É porque já tiveram uma história de amor. Toda a gente tem. É a única história. 

Julian Barnes, em A única história. 

Às vezes as pessoas pensam que a pobreza só pode ser sinistra ou triste. Cresci na mesma pobreza do Shuggie e descobri que tínhamos um sentido de orgulho muito forte. A minha mãe, sobretudo, sempre teve o cuidado de garantir que nós [os seus filhos] estávamos sempre no nosso melhor, que mostrávamos sempre a nossa melhor cara. Sempre encarei isso como uma espécie de superpoder, a forma como a nossa mãe conseguia fazer isso tendo em conta que não tínhamos muito dinheiro. Muito do livro é sobre tentar encontrar o sítio a que pertencemos e sobre sentirmo-nos bem no sítio onde estamos. Estão sempre a pedir ao Shuggie e à Agnes para serem normais. Estão sempre a perguntar-lhes porque é que são assim, quando não há nada de errado em relação a eles. Simplesmente não conseguem encontrar o lugar a que pertencem.

Douglas Stuart, em entrevista ao Observador, depois de vencer o Booker Prize.

https://observador.pt/especiais/douglas-stuart-fez-dos-traumas-ficcao-e-ganhou-o-booker-escrevi-shuggie-bain-porque-estava-a-tentar-voltar-para-casa/ 

Noite difícil. Pela primeira vez, desde há dez anos, dormia em sua casa. Sozinho. E num sobressalto, descobria a falta da segurança citadina, essa muralha de ferro e de cimento, contra a qual embatiam as vozes do alarme, da noite. Nas noites da cidade o dia não morre de todo – descobria-o de novo agora. Apagou o candeeiro, tentou descansar. Não havia vento, mas envolvia-o de toda a parte esse fundo rumor dos espaços, eco do silêncio, dos mortos. Mais alto, raiado aos confins da escuridão, erguia-se em leque o fragor da ribeira. Bruscamente estremeceu: um turbilhão de ratos rolou em cima, no tecto. Amanhã, pensou, uma boa dose de estricnina. Depois, de novo o silêncio. Suspensa dos rumores esparsos, da aragem surda do Inverno e da noite, toda a casa lhe parecia flutuar, esvaziada do seu peso, as coisas reassumirem a sua vida intrínseca com lume vivo nos olhos, falando sons audíveis, respirando-lhe sobre a boca. Abria os olhos ferozes, dispersava esses animais de pesadelo. Respirou fundo, sossegou. E pouco a pouco foi-o inundando uma paz estranha e mais funda que o seu cansaço e terror. Vinha da própria terra, do frémito da noite abandonada, como se reconhecidas enfim suas irmãs de sangue. Sim, eu sei. Imagem do meu sossego, obrigado. Nada mais além deste sobressalto vão. Colunas de sombra, fachos erguidos, velando a face morta da terra. Quem me visita? Memória submersa de um olhar grave, de uns olhos vidrados de aflição, de um corpo quente dançando por entre uma flutuação de nuvens... Um suave torpor dissolvia-o numa espécie de resignação. Adormeceu.

Vergílio Ferreira, em Cântico Final.

Preferiam amar mais e sofrer mais; ou amar menos e sofrer menos?
Esta é afinal, penso eu, a única, a verdadeira questão.

Julian Barnes, em A única história.

 


“This song is about finding peace with who you are and where you're at regardless of how well other people seem to be doing.”

James Blake

O homem tem um lado de fora e um lado de dentro, alguma coisa que mostra aos outros e alguma coisa que esconde, e que está escondida aos outros. E do lado de dentro há coisas que pode comunicar e há outras que não. Em definitivo, o homem não pode ocupar-se de mais nada a não ser de si próprio, deste lado de dentro e deste lado de fora, e da comunicação para fora do lado de dentro.

Giorgio Colli, em La Ragione Errabonda, citado por Maria Filomena Molder, em Rebuçados Venezianos.

A curvatura da melancolia começa na imagem que vemos, e termina depois no coração, órgão principal da inteligência e do choro.

A tristeza de alguém é incalculável quando vista de fora, como uma equação estranha que o melhor dos matemáticos não soubesse agarrar. Imagens e versos ajudam por vezes a entendê-la, mas sim, é uma equação informe: a tristeza dos outros.

Gonçalo M. Tavares, no texto Imagens, texto e tristeza, para o CCB.
Não é difícil encontrar quem se interesse por nós, quem goste de nós, o difícil é encontrar quem não desista de nós.

Dulce Maria Cardoso, em Eliete.

Cerra os olhos, esquece. A tarde fina evapora-se. No vale de sombras sobe, com as geadas, a prece eterna do fumo das lareiras, o breve aceno do adeus. Insensivelmente, o eco espectral da ribeira reabre-lhe o passado. Relembra-lhe o encontro com o pai, suspenso do tecto, a sua fuga alucinada para a montanha, o mar de neve em redor cobrindo de silêncio o mundo e a vida. 

Vergílio Ferreira, em Cântico Final.