O único motivo por que vivi tanto tempo foi ter largado o meu passado. Fechar a porta à dor, ao arrependimento, ao remorso. Se os deixar entrar, basta uma nesga autocomplacente, zás, a porta abre-se por inteiro e eis que entra uma torrente de dor que me rasga o coração e me cega os olhos de vergonha.

Lucia Berlin, em Manual para mulheres de limpeza.

Hei-de mandar arrastar com muito orgulho,
Pelo pequeno avião da propaganda
E no céu inocente de Lisboa,
Um dos meus versos, um dos meus 
Mais sonoros e compridos versos:

E será um verso de amor...

Alexandre O'Neill, em Poesias Completas & Dispersos.

Preciso dos outros (quem de mim precisa?)
Nos teus olhos vejo uma promessa nua.
A esperança está viva, a vida está certa:
guarda a minha mão, guardarei a tua.

Alexandre O'Neill, em Poesias Completas & Dispersos.

Feira do Livro #1


Às dores inventadas
Prefere as reais. 
Doem muito menos
Ou então muito mais...

Alexandre O'Neill, em Poesias Completas & Dispersos

 


When will the evening cease, to cool my wearying head.

Amar foi durante muito tempo
gravar iniciais adolescentes,
no fuste das tílias.

Era então uma espécie
de idade de ouro do amor.

Mas tive de aprender à minha custa
que amar pode ser tão envolvente
como um polvo:
ama-se em muitas frentes.

Aprendi que amar, entre outras coisas,
é também navegar as águas da noite
adultamente
sem bússola e sem cautelas,
à proa fugidia dum batel.

E que, em casos mais desesperados,
é ir aos trambolhões de mar em mar.
Tumultuosamente. Sem ser correspondido.
E em chamas, se preciso for.

A. M. Pires Cabral, em A noite em que a noite ardeu.



There's no cavalry. No one will magically appear and save you in the end.

Captain Fantastic (2016)

Agora é diferente
Tenho o teu nome o teu cheiro
A minha roupa de repente
ficou com o teu cheiro

Agora estamos misturados
No meio de nós já não cabe o amor
Já não arranjamos
lugar para o amor

Já não arranjamos vagar
para o amor     agora
isto vai devagar
isto agora demora

Manuel António Pina, em Todas as Palavras.


Eugénio de Andrade e Mário Cesariny.
Fotografia de Lucília Monteiro.

 

 


We all have the lightness to be okay.

Somos seres imperfeitos e morais, conscientes da mortalidade mesmo quando a afastamos, defeituosos pelas nossas próprias complicações, tão programados que, quando sofremos a perda de alguém, também sofremos, para o melhor e o pior, a perda de nós mesmos. A perda daquilo que éramos. E que não somos mais. E que um dia não seremos de todo.

Joan Didion, em O ano do pensamento mágico.

 


I can only be what I am.


Sempre pensei isto: a força que destrói, quando o seu trabalho está terminado e tudo está destruído, o que pode fazer?

Gonçalo M. Tavares, no Expresso.

 


Mas há por vir
Muita beleza ainda
Você tem toda uma vida
Para viver o que ainda nem chegou
E se não deu, vai dar.
Pensas que nunca te vai acontecer, que não te pode acontecer, que és a única pessoa no mundo a quem essas coisas nunca irão acontecer, e depois, uma a uma, todas elas começam a acontecer-te, como acontecem a toda a gente.

Paul Auster, em Diário de Inverno (memórias).

O Mestre disse: "errar e não corrigir, eis o que se chama erro".

Confúcio.

As pessoas que perderam alguém há pouco tempo têm um certo olhar, reconhecível apenas para aqueles que viram esse olhar no seu próprio rosto. Vejo-o no meu rosto e já o vi no rosto de outros. É um olhar de extrema vulnerabilidade, nudez, transparência. É o olhar de alguém que sai do consultório do oftalmologista diretamente para a luz brilhante do dia, com os olhos dilatados, ou de alguém que usa óculos e que, subitamente, é obrigado a tirá-los. Estas pessoas que perderam alguém sentem-se nuas porque se acham invisíveis. Eu senti-me invisível durante um período de tempo. 

Joan Didion, em O ano do pensamento mágico.