Esperar ou vir esperar
querer ou vir querer-te
vou perdendo a noção desta subtileza.
Aqui chegado até eu venho ver se me apareço
e o fato com que virei preocupa-me, pois chove miudinho
Muita vez vim esperar-te e não houve chegada
De outras, esperei-me eu e não apareci

embora bem procurado entre os mais que passavam.
Se algum de nós vier hoje é já bastante
como comboio e como subtileza
Que dê o nome e espere. Talvez apareça.

Mário Cesariny, no poema «estação».
Long ago, I was wounded. I lived
to revenge myself
against my father, not
for what he was—
for what I was: from the beginning of time,
in childhood, I thought
that pain meant
I was not loved.
It meant I loved.

Louise Glück, em Ararate.

In terms of this reciprocal creative dynamic, does she offer advice on song lyrics?

Not directly. She doesn't sit down and write the lyrics to a song with me, because there is no room in the process for her, or anyone else (...)
But I think, ultimately, my songs are gifts to her and I think her dresses are gifts to me. We are both waving to each other, through our work.

Nick Cave, em "Faith, Hope and Carnage"


A Ilha de Bergman (2021)
A infância é um país mágico donde somos todos expatriados pela percepção da morte ou da crueldade.

Maria Velho da Costa, em Myra.
Há um momento após desviares o olhar
em que te esqueces de onde estás
pois tens vivido, parece,
noutro lado, no silêncio do céu nocturno.

Deixaste de estar aqui no mundo.
Estás num lugar diferente,
um lugar onde a vida humana não tem sentido.

Não és uma criatura num corpo.
Existes como as estrelas existem,
participando na sua quietude, na sua imensidão.

Até que volta a estar no mundo.
De noite, numa colina fria,
a desmontar o telescópio.

Só depois percebes
que não é falsa a imagem
mas a relação.

Vês de novo como cada coisa
fica tão longe de todas as outras.

Louise Glück, em Averno.

Primeiro tiveste que escolher a madeira, cortar, aplainar, pregar as tábuas. Primeiro o caixão.
Mais tarde, um pouco mais tarde, incorporas-te no cortejo. 
Chegado ao cemitério, já ofegante, vais ter que abrir a cova.
E és tu ainda, quem mais havia de ser, quem desce o caixão, nele já deitado. Irrepreensivelmente imóvel.
(Porquê? Porque é assim mesmo: há paradoxos de que nem um morto se livra).
Sozinho fazes toda a festa, se assim pode dizer-se. Sozinho, o cerimonial e a despesa. A última burocracia, a da morte.
Família, acompanhantes, mirones, voyeurs da desgraça - não existem.
Tens que ser tu a lançar à cova, sobre o caixão, um punhado de terra. Ashes to ashes, dust to dust. Seja bem cavo o som da terra a bater na madeira.
E não esqueças também as flores prévias. 
Tu, porque os outros existem - sim, existem - mas não estão lá.
Tens que ser tu a verter as lágrimas, as únicas lágrimas, afinal.
Tu, não obstante o «merecido repouso» e o «eterno descanso» e toda a gíria restante e consabida. 
Por fim a terra em cima, o mais possível, a terra bem acamada. 
Tu quem morre. E como se não bastasse, tu ainda gato-pingado, padre e coveiro, parente e amigo.
Tu, único acompanhante, silencioso e solícito. Consternado como é devido.
E finda a cerimónia, tu a teres que sair do cemitério: pelos próprios meios, que remédio. Quase furtivamente.
E em passos vacilantes, inglório, sabe-se lá com que forças, regressar por fim a casa - porque não há mais sítio - e recomeçar tudo.

Rui Caeiro, em O sangue a ranger nas curvas apertadas do coração.

Adiar o acto é passar a viver a vida de um outro. Adiar é, por isso, uma outra forma de morte. 

Rui Caeiro, em O sangue a ranger nas curvas apertadas do coração.

Os Portugueses vivem em permanente representação, tão obsessivo é neles o sentimento de fragilidade íntima inconsciente e a correspondente vontade de a compensar com o desejo de fazer boa figura, a título pessoal ou colectivo. A reserva e a modéstia que parecem constituir a nossa segunda natureza escondem na maioria de nós uma vontade de exibição que toca as raias da paranóia, exibição trágica, não aquela desinibida, que é característica de sociedades em que o abismo entre o que se é e o que se deve parecer não atinge o grau patológico que existe entre nós.

Eduardo Lourenço, em Labirinto da Saudade

a memória, aprendi por mim, é indispensável para que o tempo não só possa ser medido como sentido.

José Cardoso Pires, em De profundis, Valsa Lenta