As botas do meu pai

Tenho o hábito de passear pelos lugares que rodeiam a minha casa. O meu irmão acompanha-me. Descobrimos sempre algo novo nas casas abandonadas, na ribeira, nas árvores e nos poços. Há cogumelos à beira da estrada, consegue-se ouvir o som dos falcões e a Natureza respira liberdade, como se Álvaro de Campos nos segredasse ao ouvido “nunca voltarei porque nunca se volta. O lugar a que se volta é sempre outro”. 

Houve até um dia em que vimos um esquilo, mas desapareceu tão rapidamente que não conseguimos ter a certeza de que era mesmo um esquilo. Num dos passeios, o chão estava molhado pela chuva que tinha caído nesse dia. O meu irmão, para não sujar os ténis, calçou as botas do meu pai. É uma memória que me acompanha. Ele colocou-se no lugar do outro, talvez sem se aperceber de que o estava a fazer. Calçar as botas de outra pessoa é estar mais próximo de vestir uma pele diferente daquela que nos preenche o corpo. 

Quando usamos outro par de sapatos abrimos uma nova porta na carne do Universo. Pode até ser uma metáfora, mas acredito que essa seja a forma mais bonita de percorrer um caminho. Nada me orgulha mais do que ver o meu irmão a andar, deixando atrás de si as pegadas do meu pai.