Follow me

Follow me, the wise man said, but he walked behind.

Leonard Cohen, em Teachers.

Retirado do livro Teatro Vertical, de Manuel Alberto Vieira.

Leva-as o tempo

As paredes
das casas
são palavras
ditas
pelo tempo.

Olivais, 2019

Musicofilia #1


And when you try
To break my spirit
It won't work
Because there's nothing left to break
Anymore

Nenhum futuro

A verdade não tem nenhum futuro, ao passo que a mentira é portadora de grandes esperanças. 

Albert Cossery, em As cores da infâmia. 

Dansar

Desde que comecei a dansar escrevo dansar com s como a Sophia. Danso na minha cozinha descalça. Danso sozinha para os gatos. Gosto de dansar sem música o tempo que a ampulheta do meu Avô Raul mede: 10 minutos. Posso virar a ampulheta ao contrário e dansar mais 10 minutos. Posso dansar assim até ao infinito. Tenho diabetes tipo 2, devo dansar por dia 30 minutos. Também ponho a caixa de música a tocar e danso. É a caixa de música que a minha mãe me trouxe do aeroporto de Frankfurt, no final dos anos 60, quando voltou de um congresso de Botânica em Darmstadt. Esta caixa de música é um abeto com um casamento de passarinhos à volta. É cor-de-rosa e verde. Há um romance de Stendhal que se chama Le rose et le vert. Ainda não li. Mas tenho o livro. Posso ler. Gosto de pensar nestas coisas enquanto danso. Enquanto danso, penso. Penso e giro. De girar e de gerir. Enquanto danso, raciocino, e raciocino melhor. Enquanto danso, rezo pela paz. Enquanto danso, descanso. O meu pâncreas melhora. Só coisas boas. Tenho uma cassette de rock jugoslavo que a minha intérprete em Sarajevo, a Amra, gravou para mim. Estive em Sarajevo em Maio de 1991 num encontro de poetas. Também danso rock. Dansar é leve e intenso como diz a Teresa Amado.

Adília Lopes, em DANSAR, no livro Manhã.

Psiquiatria

Uma médica psiquiatra disse-me nos anos 80: sempre que uma pessoa faz uma coisa bem feita é punida por isso.

Adília Lopes, no texto Psiquiatria, do livro Manhã.

Feliz assim

Tenho 54 anos e continuo a pensar como quando tinha 4. Sou feliz assim.

Adília Lopes, em DUPLEX, no livro Manhã.

Como começa

O ponto de partida do artista não é o nada, mas o caos.

Maria Filomena Molder, em Dia Alegre, Dia pensante, Dias fatais.

Onde se encontram as recordações

Há uma época na vida em que esperamos que o mundo esteja sempre cheio de coisas novas. E depois chega o dia em que nos damos conta de que não vai ser assim. Percebemos que a vida vai ser uma coisa feita de buracos. De ausências. De perdas. De coisas que existiram e desapareceram. E também nos apercebemos de que temos de crescer à volta e entre as lacunas, embora possamos estender a mão na direcção das coisas e sentir esse entorpecimento tenso e luminoso do espaço onde se encontram as recordações.

Helen MacDonald, em A de Açor. 

Queres mesmo levantar-te?

Uma relação amorosa com o medo. Vivo há mais anos com o medo do que com qualquer outra coisa, objecto, animal, pessoa. Conheço o meu medo como ninguém. Sei de que forma ele gosta de se sentar ao meu lado; sei quando está irritado e exige a minha presença imediata. Sei quando me vira as costas e parece ignorar-me. Sei quando me convida para sair, sei quando me exige que saia dali. Sei como de manhã, depois de abrir os olhos, ele me diz sempre as mesmas palavras, naqueles momentos em que é menos piedoso e não se inibe de me maltratar: Queres mesmo levantar-te? Queres mesmo levantar-te? 

Não entendo porque ele me diz isso, porquê esta violência. Mas é a frase que mais me destrói, diariamente, a frase contra a qual vivo, a frase que tenho de superar para poder existir simplesmente, para simplesmente lavar os olhos e a cara. Queres mesmo levantar-te? Queres mesmo levantar-te?

Quero, quero, quero!, vejo-me por vezes obrigado a gritar. Mas penso — depois de acalmar, de voltar às batidas normais dos órgãos, de me instalar de novo na respiração base — que talvez isto me faça bem. Que talvez o meu medo seja mesmo o meu único companheiro, e talvez ele faça isto para me obrigar a gritar — a começar o dia a gritar. 

Talvez ele saiba que, se não me fizesse essa pergunta, eu talvez um dia não me levantasse.

Gonçalo M. Tavares, em Na América, disse Jonathan.