Foi uma promessa falar deste silêncio que cai sobre nós sem o compreendermos muito bem. Quando começou, de onde veio, por que razão aconteceu no meio de coisas tão boas. Acontece vezes sem conta na amizade: um de nós fica ferido, julga-se ferido de morte e vira costas a tudo o que foi erguido durante meses, anos, às vezes décadas. Nos amigos, penso eu, é mais fácil reverter a situação. Vamos ao encontro deles e eles ao nosso. E rimos das asneiras mútuas. Reatamos aos poucos a emoção de estarmos outra vez juntos. Queremos voltar ao que éramos, e voltamos muitas vezes. Já no amor, a conversa é outra. Prometi à minha filha falar disto como quem fala de uma amizade subitamente perdida, bruscamente neste presente. Porquê? A idade dos porquês repete-se vida fora. Na amizade dói muito. No amor, dói muito mais. Estávamos à mesa quando lhe falei das coisas por que já passei. Agora que os 50 anos chegaram, e já os posso ver como se fossem um marco, ou até uma espécie de pódio, também tenho a capacidade de parodiar aquilo que foi mágoa. Um amarfanhar de ego e coração, e tudo o que cabe na capacidade infinita (parece-me infinita) de sentir. Qualquer idade é falível, ridícula, estupidamente frágil. Em qualquer idade, a falta de respostas é incompreensível, por mais que a vida se prolongue. Não estava muito longe do que sou agora, quando alguém, que parecia gostar desalmadamente de mim, me deixou em silêncio. Esses dias, os que pressentem no ar que algo aconteceu, são os que precedem a guilhotina. Já sabemos que vai acontecer. Há, no entanto, ali uma esperança de que algo se reverta a nosso favor, sabendo que o veredicto raras vezes nos vai favorecer. No amor, raras vezes há misericórdia. Farejamos a tragédia, quando esta já prestes a declarar-se, mas ainda não foi pronunciada. Às vezes, nunca será. Das piores sensações que tenho na vida, e essas nunca se apagarão, são das pessoas que nos cortejaram para depois nos abandonarem em silêncio. Deixam-nos com uma mensagem em suspenso, que depois arrastará a nossa humilhação, a nossa degradação, a nossa auto-comiseração. Esvaímo-nos em perguntas, querendo saber o que fizemos de errado, o que temos de anómalo, se somos ou fomos inadequados. E nunca virá do outro uma resposta. Sabem porquê? Falta coragem. E falta-nos a todos em algum momento.
Inês Maria Meneses, na crónica As palavras que faltaram, do podcast O coração ainda bate.