Nós somos miseráveis

Todos queremos ser heróis. Cortamo-nos a fazer a barba, mas inventamos uma história corajosa para justificar aquele golpe feio acima do lábio. Partimos a cabeça a jogar bowling com os colegas irritantes do nosso emprego, mas dizemos que foi uma disputa entre gangs. Enfim, queremos mérito. Queremos, sobretudo, ser mais do que aquilo que somos. Nós somos miseráveis, mas, para bem da nossa saúde, não parecemos. As redes sociais são, nesse sentido, a nossa salvação. 

Vejam bem esta praia onde estive durante 5 minutos, a água estava gelada e congelei, não mergulhei, mas reparem no pé a tocar no mar salgado, podem também ver que ali ao pé da toalha está um livro do Dan Brown, sim, ainda vou nas primeiras páginas. Na verdade, nunca irei ler o livro. Mas façam like. Mentimos constantemente. Somos incoerentes. A este propósito, gostava de deixar aqui uma frase de Dostoievksy, que retirei da obra Os Irmãos Karamazov: “Above all, don’t lie to yourself. The man who lies to himself and listens to his own lie comes to a point that he cannot distinguish the truth within him, or around him, and so loses all respect for himself and for others. And having no respect he ceases to love.” Ou seja, quando mentimos aos outros (e fazemo-lo), estamos também a enganar- nos e a desrespeitar-nos. 

Chegámos a um limite de não ter qualquer consideração pelo que somos e queremos ser. Tudo aquilo que nos for acontecendo saberá sempre a pouco, nada nos será suficiente. Às vezes, imagino que o crime de Rodion Romanovitch Raskólnikov só foi possível por ainda não existir Facebook, Twitter e outros. Se Ródia tivesse acesso a uma rede social, iria dizer uma (ou todas) as frases seguintes: 

Opção 1) “Pessoal, como é que é, está-se bem? Alguém tem aí um machado que me empreste? E um bronzeador?”

Opção 2) “Minha maltinha russa, acabei de matar uma velha. O machado que emprestaram entrou sem dificuldades naquela cabeça. Vejam a foto no meu Instagram (#sem filtros).” 

Opção 3) “É impressão minha ou a polícia anda a perseguir-me? Está um radar na Rua de São Petersburgo, nº3, e estão a mandar parar os carros todos.” 

E Humbert Humbert (também conhecido como Humberto Eco: esta aqui foi o humor no seu expoente máximo), o que seria da criação de Vladimir Nabokov? 

Opção 1) Bonjour mes amis, já não aguento mais, quero fazer amor com a minha Dolly. Alguém disponibiliza comprimidos? 

Opção 2) Reparem bem nas axilas de Lolita, é com cada pêlo, está a crescer a uma velocidade inacreditável, a minha mulher. Vejam a foto no meu Instagram (#sem filtros). 

Opção 3) Alguém conhece uma aplicação tipo Tinder, mas onde só apareçam ninfetas? Merci. Podemos viver infelizes, sim, e vivemos, mas não há nada como olhar para o espelho e confrontarmo-nos com a verdade, com a dor de nos vermos. 

O problema é que já só sabemos distorcer tudo.