Que privilégio: podermos estar sós. A vida continua a carecer de sentido, mas o nosso esconderijo serve o propósito de nos deixar fazer essa procura e confirmação. Existe quem não tenha onde se esconder: não vêem utilidade no desaparecimento.
Certa vez, li que a vida é para se viver e não para ser pensada, porque quando pensamos estamos a afogar-nos devagarinho. Só posso concordar com a última parte.
Devemos esconder-nos todos os dias, encontrar um lugar onde possamos ir buscar a nitidez, a reflexão e as nossas peças desordenadas.
Quando lemos um livro não nos encontramos a sós com o escritor? Talvez seja essa a razão de não nos sentimos sozinhos. As palavras do texto são tão verdadeiras quanto o olhar. Quando lemos um livro, olhamo-nos nos olhos: vemos o escritor e ele também nos vê. Reparamos.
Vergílio Ferreira escreveu assim, em Pensar:
— Gostei de estar consigo, mas gosto mais de o ler.
— Mas foi comigo que esteve quando me leu. Não agora que esteve.