How can I give back what once was stolen?

Nos últimos tempos, comecei a encontrar com frequência a palavra "ghosting", um neologismo que já entrou nos dicionários de língua inglesa. O termo designa o súbito e completo desaparecimento como forma de terminar uma relação interpessoal. Não sei bem se é quem desaparece que se torna um fantasma, ou se é o outro que fica num estado fantasmático. Em qualquer caso, o "ghosting" é uma brutalidade suave, uma violência feita de mansinho. Evitando o acto de ruptura, mas não deixando de romper, é um comportamento que sugere imaturidade, narcisismo, um modo cobarde de viver com os outros. O desaparecimento abrupto e sem explicações numa relação amorosa é inaceitável, embora se compreenda no contexto de contactos epidérmicos ou fugazes, menos dados à empatia. E o desaparecimento entre amigos? Pode um amigo desaparecer? Podemos desaparecer a um amigo? A amizade é uma coisa que desaparece? Haverá um protocolo que não seja o confronto? Há sequer protocolos adequados ao fim de uma amizade? E o que quer dizer a amizade? 

Pedro Mexia, no Expresso. 

 


Sentado num comboio olho a paisagem
e de súbito, fugaz, passa uma vinha
que é o lampejo de alguma verdade.
Sair do comboio seria um erro
porque então a vinha desapareceria.
Amar é um lugar, e há sempre alguma coisa
que mo revela: um telhado longínquo,
a estante vazia de um director de orquestra, 
apenas com uma rosa, os músicos tocando sós.
O teu quarto ao clarear o dia. 
E, como é óbvio, o canto daqueles pássaros
no cemitério, numa manhã em Junho.
Amar é um lugar.
Perdura no mais fundo: é donde vimos.
E é o lugar onde vai ficando a vida.

Joan Margarit, no poema Amar é um lugar, do livro Misteriosamente feliz.

 


Pintura Strong Dream, de Paul Klee (1929)

 


I hope you're with someone who makes you feel
That this life, it's alive.

Amanheci em cólera. Não, não, o mundo não me agrada. A maioria das pessoas estão mortas e não sabem, ou estão vivas com charlatanismo. E o amor, em vez de dar, exige. E quem gosta de nós quer que sejamos alguma coisa de que eles precisam. Mentir dá remorso. E não mentir é um dom que o mundo não merece.

Clarice Lispector, em A descoberta do mundo.

 




Love is a lonely thing. 

 







Andrey Tarkovsky. A Cinema Prayer (2019)

Há tantas coisas que sentem a tua falta.
Todos os dias estão cheios de instantes que esperam
as mãos pequenas que, tantas vezes,
seguraram as minhas. 
Haveremos de acostumar-nos à tua ausência.
Já passou um Verão sem os teus olhos
e o mar também acabará por se habituar. 
A tua rua, durante muito tempo ainda,
esperará em frente à tua porta,
paciente, os teus passos.
Não se cansará nunca de esperar:
ninguém sabe esperar como uma rua. 
E eu estou cheio desta vontade
de ser tocado por ti, olhado por ti.
E de que me digas o que fazer com a minha vida,
enquanto os dias com chuva ou céu azul
já vão organizando o silêncio.

Joan Margarit, no poema A Espera, do livro Misteriosamente Feliz.