o mundo é feito de tretas que não existem, ausências, sombras, intervalos, todas as quedas infinitas, todas as soluções inúteis, senta-te na cadeira até seres apenas olhos e joelhos e esquece, é noite, que janela continua a estalar, tão longe, aumentando o escuro até ao outro extremo do mundo.

António Lobo Antunes, em O tamanho do mundo.
Era feliz na companhia de si próprio, desde que soubesse quando essa solidão terminaria.

Julian Barnes, em Nada a temer.

They say never wake a dreamer
Maybe that's how we die.



Ela ofereceu-me um pequeno espelho.
Desejou que eu me visse como Ela me via.
Mas não é com os olhos que vemos, disse-lhe.
Essa tarefa pertence a outro órgão
aquele que vê, bate e sangra.
Ela ofereceu-me um pequeno espelho.
Desejou que eu me visse como Ela me via.
Eu ofereci-lhe o coração.

d.m.

When Arthur died, I was thrust into the darkest place imaginable, where it was almost impossible to be able to see outside of despair. I somehow managed to pull ourselves out of that, and — I know this sounds corny — that did have something to do with the response I started to get from people who kept writing to me and saying, mostly, This happened to me, and this is what’s happening to you, and this is what can happen. This was extremely affecting for me. The concerts that I did following that, too — the care from the audience saved me. I was helped hugely by my audience, and when I play now, I feel like that’s giving something back. What I’m doing artistically is entirely repaying a debt. It’s — my other son has died. It’s difficult to talk about, but the concerts themselves and this act of mutual support saves me. People say, How can you go on tour? But for me it’s the other way around. How could I not?

As pessoas tendem a desaparecer.
Um dia fazem-nos rir e depois já não estão.
Um dia telefonam-nos todos os dias
para saber como estamos,
e agora já não consegues sequer lembrar-te das suas vozes.

Um dia disseram sempre
e sempre acabou por ser nunca mais.

As pessoas parecem-se com fantasmas.
Aparecem, seduzem, acreditamos nelas,
assustam, brilham e desaparecem.

Partem e, de repente, já não existem,
como se nunca tivessem existido.

Chegamos a convencer-nos de que as sonhámos.

Eu sou uma delas.

Morrer, no nosso caso,
é uma redundância.

Juan Vicente Piqueras, em Instruções para atravessar o deserto.
Não fujas do que sentes. Não te escondas
no que dizes. Não digas mentiras.
Sê tua voz. Faz. Trabalha. Não te queixes.
Não sofras por medo de sofrer mais.
Não mendigues jamais o que mereces.
Por exemplo, o amor. Fá-lo e o terás.
Funda no fogo firme da sua fogueira
o teu lugar, o teu ofício. E agradece o ar
que entra e sai de ti. Sê a janela
do que vive. Olha com cuidado.
Há olhares que podem envenenar o mundo.
Não deixes que apodreça o que sentes
dentro de ti. Faz um exame de consciência
de vez em quando mas nunca te esqueças
que é possível que sejas inocente.
Abre o teu coração encouraçado
ao casamento do céu com o mar,
da luz com a sombra,
do canto dos grilos com o das cigarras.
Pinta de azul a alma. Permuta
o que foste pelo que não serás.
Limpa tua casa. Diz o teu precipício.
Cozinha. Convida. Canta. Dança. Abraça.
Tira o pó da tua voz. Rega as plantas.
As dos pés também, no mar, marchando.
Não te detenhas. Perante ti os teus passos,
as tuas pegadas de amanhã, esperam-te, convocam-te.
Não olhes para trás. Não sejas a tua estátua
de sal. E sai de ti, do que pensas
de ti. Sai desse quarto
escuro onde escreves os poemas
que dizem o que tens que fazer em vez de fazê-lo
.
Põe-te a andar. Faz. Trabalha. Não te queixes.
Vira a página. Vai. Vê. Sê atento
e fica atento. Não esqueças o que vives.
Não esqueças o que acabas de viver.
Não esqueças o que acaba. Acaba. Vai
em busca de uma nova voz, distante.
Não fujas do que sentes. Não permitas
que a vida se vá em vão,
que a morte ao chegar encontre
o seu trabalho já feito. Contempla o céu
como quem diz adeus,
como quem demonstra gratidão.

Juan Vicente Piqueras, em Instruções para atravessar o deserto.

There'll come a time I'll wanna know I was here.
Ninguém me pergunta por que razão vou parar à natação. Vou para aprender a nadar. Sobretudo, vou para vencer o pânico que acumulei fora de pé, sem controlo, escapando-me ao que não toco ou sinto.
Por que razão então alguém nos pode perguntar se temos mesmo de ir para a terapia, se precisamos? O que é isso de precisar? Vamos para não termos receio de ficar fora de pé. Vamos, nos dois casos, para ficarmos bem à tona.

Precisar é uma palavra, essa sim, que deve ser bem medida. Quando perguntamos ao outro se ele realmente precisa de fazer determinada coisa, estamos a arredá-lo do seu objectivo. Estamos a lançar-lhe o desconforto que às vezes é apenas nosso. Nosso perante algo que teimamos em desconhecer e rejeitar. No fundo, somos nós que tememos precisar: da terapia, da natação, de comprar uma coisa que nos deixe feliz, de voltar a ligar a alguém que já foi nosso amigo.

“Achas que realmente precisas de fazer terapia?” Não tenho dúvidas. Preciso de cada hesitação minha que me faz depois encontrar as palavras que, afinal, estavam cá dentro e formam inesperadamente uma resposta. Preciso de apaziguar sentimentos. Preciso de desvalorizar coisas sem importância.

Inês Maria Meneses, em O coração ainda bate.