We must live out our lives. [A pause] Yes, we shall live, Uncle Vanya. We shall live all through the endless procession of days ahead of us, and through the long evenings. We shall bear patiently the burdens that fate imposes on us. We shall work without rest for others, both now and when we are old. And when our final hour comes, we shall meet it humbly, and there beyond the grave, we shall say that we have known suffering and tears, that our life was bitter. And God will pity us. Ah, then, dear, dear Uncle, we shall enter on a bright and beautiful life. We shall rejoice and look back upon our grief here. A tender smile -- and -- we shall rest. I have faith, Uncle, fervent, passionate faith. We shall rest. We shall rest.

Drive my car (2021)








Drive my car (2021)

Talvez percebas, ou talvez não, que no decorrer da vida olhamos milhares de olhos. Na maioria, passam despercebidos. No entanto, de repente, há aqueles que te fazem encontrar algo que tu desejas e que farias quase tudo para ter por perto. O que será que têm? Não são as pupilas que vês, nem a íris ou a parte branca. Talvez o que vejas seja a alma e a luz. Olhar nos olhos de quem amas está entre as maiores alegrias da vida.

Karl Ove Knausgård, em No Outono.
Gostava de vos dizer uma coisa para terminar.
Às vezes tenho medo, muito medo.
Às vezes sofro.
Às vezes, penso nas pessoas que amo e penso na possibilidade de as perder.
Às vezes vejo alguém doente e fico incomodado.
Pode não ser um amigo ou um familiar.
Posso estar a vê-lo pela primeira vez.
Mas fico incomodado.
Aquela doença pertence-me.
Todas as doenças pertencem a toda a gente.
Todos os sofrimentos pertencem a toda a gente.
Todas as mortes pertencem um pouco a toda a gente.
Às vezes sinto isso muito,
outras vezes sinto menos.
Quando sinto menos posso preocupar-me com o mundo, brincar com a poesia, com a filosofia e com as palavras.
Mas quando sinto, deixo de conseguir pensar.
Quando sofro ou sinto o que alguém sofre, deixo mesmo de querer ser inteligente.
Deixo de querer parecer inteligente.
Se estivermos cheios a sentir, não temos espaço para pensar.
Não fazem sentido as lógicas, as filosofias, as discussões.
Todo o nosso corpo sente.
E o que resta? Nada.
Só existe aquela morte, aquela doença, aquela velhice.
Só aquele pai que amo e está a envelhecer. Só aquela mãe que amo e está a envelhecer.
Só aquele amigo que morreu num estúpido acidente.
Só aquele amigo que se tornou amargo porque a mulher o deixou.
Só o amor e a falta de amor.
As mulheres que nos enganam e as mulheres que são enganadas, as mulheres e os homens que enganam.
Os amigos que deixam de o ser, alguns inimigos que morrem, e temos pena.
Que importa o resto?
Onde está o livro importante?
O filme que resolve?
Podemos chorar à frente de um quadro, mas não resolve nada.
Podemos pintar um quadro, escrever um poema, mostrar às mulheres bonitas como somos bonitos, exibir o nosso corpo, mas que adianta?
Estamos sozinhos.
Se não estamos, vamos estar.
Os amigos vão-nos deixando, vão-nos deixar.
Vão morrer ou nós vamos morrer.
Ou então deixam de nos telefonar, ou então deixamos de lhes querer telefonar.
Estamos sozinhos. As pessoas que amo vão morrer.
Os livros não resolvem nada. A poesia é bonita e por vezes descansa, acalma, mas não resolve nada, não resolve nada.
Somos artistas ou não somos, e qualquer coisa que seja não adianta nada e nada impede.
Escrevemos poemas, mas não ajudam ninguém.
Escrevemos peças de teatro, sorrimos, tentamos pensar, tentamos ter ideias, tentamos distrair as pessoas, tentamos fazer pensar as pessoas, tentamos fazer chorar as pessoas, e isso é bom, e até pode ser bonito, mas não adianta nada, não resolve nada,
não adianta nada.

Gonçalo M. Tavares, em O homem ou é tonto ou é mulher.

A literatura, como a arte, não conhece o tempo da vida quotidiana. Não quer saber das fronteiras entre o passado e presente. A literatura faz acontecer o futuro, devolve-nos às florestas claras da infância. O passado, quando escrevemos, não está morto.

(...)

Vivo numa ilha não para fugir aos outros, mas para os contemplar e saciar desse modo a paixão que tenho por eles. Não sei se escrever me salvou a vida. Regra geral, desconfio desse tipo de formulações. Teria sobrevivido sem ser escritora. Mas não estou certa de que tivesse sido feliz.

Leïla Slimani, em O perfume das flores à noite.

Talvez seja essa a missão do artista? Exumar, arrancar ao esquecimento, entabular o diálogo diabólico entre o passado e o presente. Recusar a inumação.

Leïla Slimani, em O perfume das flores à noite.

I’ll go wherever you are going,
I’ll be somewhere near.
Não tenho medo da morte. A morte não é senão uma solidão conseguida, inteira, absoluta. É o fim dos conflitos e dos mal-entendidos. É o regresso, também, à verdade das coisas, ao seu desfecho. O que temo é a resistência do corpo. A decadência.

Leïla Slimani, em O perfume das flores à noite.

O que não dizemos pertence-nos para sempre.

Leïla Slimani, em O perfume das flores à noite.

Vivo neste desconforto constante: medo dos outros e atração por eles, austeridade e mundanidade, sombra e luz, humildade e ambição.

Leïla Slimani, em O perfume das flores à noite.