Um prego

Cravava cuidadosamente um prego na parede, quando pressentiu que, como água dum cano que se rompesse, o futuro poderia jorrar de súbito na cal, uma substância na aparência cristalina mas em cujo seio as formas do presente se diluiriam todas, como se, com os seus contornos, igualmente se perdesse o seu sentido, e um sol se deslocasse, por pouco que fosse, do presente para o futuro, se esvaziasse então no céu, deixando atrás de si uma cicatriz imensa.

Luís Miguel Nava, em Poesia Completa.

“Imperfeito este mundo
E contudo
Recoberto de flores”

Issa Kobayashi, em Primeira Neve.

Sempre que vivi um desgosto, a minha mãe disse-me a mesma coisa: filho, as rosas também têm espinhos. Eu também os tenho, mãe, e há dias em que me assemelho a um ouriço. Mas a questão central no amor não tem a ver com os espinhos das flores, antes com o sangue que conseguimos derramar sem perder os sentidos, antes com a nossa capacidade de florescer.
Pois há até flores que crescem nos lugares impossíveis. Presenciaste alguma vez algo assim? Uma magnólia a surgir do cimento?, uma margarida a espreitar pela fenda do alcatrão?, uma papoila a arrastar-se na pedra?

A Natureza ensina: apesar da adversidade, às vezes a flor desenvolve. Não estavam reunidas as condições, mas ela quis. Por isso, minha mãe, se um dia eu tiver encontrado flor assim, diz-me que o que encontrei foi, afinal, o amor.

e se perguntarem por mim
diz-lhes que fui à minha procura

Inês Francisco Jacob, em Sair de cena.

Os livros

É então isto um livro,
este, como dizer?, murmúrio,
este rosto virado para dentro de
alguma coisa escura que ainda não existe
que, se uma mão subitamente
inocente a toca,
se abre desamparadamente
como uma boca
falando com a nossa voz?
É isto um livro,
esta espécie de coração (o nosso coração)
dizendo “eu” entre nós e nós?

Manuel António Pina, em Como se desenha uma casa. 

arte é uma ferida feita de luz, dizia Georges Braque. Precisamos dessa luz: não só quem escreve ou pinta ou compõe música, mas também os que leem e veem quadros e ouvem um concerto. Precisamos todos dessa beleza para que a vida nos seja suportável. Fernando Pessoa expressou-o muito bem: “a literatura, como a arte em geral, é a demonstração de que a vida não basta.” Não basta, não. Por isso redijo este livro. Por isso estás a lê-lo.

Rosa Montero, em A ridícula ideia de não voltar a ver-te.

A única alegria neste mundo é a de começar.

Cesare Pavese, em O ofício de viver.


É estranho: desde que morreu não sinto só a falta da sua presença, de continuar a viver com ele, como também tenho saudades do seu passado, das muitas vivências que não conheci.

Rosa Montero, em A ridícula ideia de não voltar a ver-te.

Partida

De súbito extinguiu-se qualquer coisa,
soltou-se qualquer peça de uma máquina incompreensível 
de que dependia, afinal, a minha vida;
tornou-se tudo demasiadamente literal,
até eu estar ali, sem compreender;
e até eu não compreender parecia
algo inteiramente incompreensível;
o mundo, que via pela primeira vez,
via-o através de uns olhos que não me pertenciam,
que não pertenciam, porque eu próprio era
um acontecimento incompreensível acontecendo,
algo que me acontecia não sabia a quem;
o comboio afastava-se levando-te
para fora de mim como alguém sonhando, 
e eu e tudo o que de mim sabia desaparecera
e ficara um sítio vazio
onde as últimas horas da tarde
como aves extenuadas pousavam. 

Manuel António Pina, em Atropelamento e fuga.

Balance

"there is no thing that is not counterbalanced by another (...) There is a river whose waters give immortality; somewhere there must be another river whose waters take it away."

Jorge Luis Borges, in The Immortal, from the book "The Aleph".

Two different ways

“It's like when my doctor told me the story of these two brothers whose dad was a bad alcoholic. One brother grew up to be a successful carpenter and never drank. The other brother ended up being a drinker as bad as his dad was. When they asked the first brother why he didn't drink, he said that after he saw what it did to his father, he could never bring himself to even try it. When they asked the other brother, he said that he guessed he learned how to drink on his father's knee. So, I guess we are who we are for a lot of reasons. And maybe we'll never know most of them. But even if we don't have the power to choose where we come from, we can still choose where we go from there. We can still do things. And we can try to feel okay about them.” 

Stephen Chbosky, in The perks of being a wallflower.