Sentado num comboio olho a paisagem
e de súbito, fugaz, passa uma vinha
que é o lampejo de alguma verdade.
Sair do comboio seria um erro
porque então a vinha desapareceria.
Amar é um lugar, e há sempre alguma coisa
que mo revela: um telhado longínquo,
a estante vazia de um director de orquestra,
apenas com uma rosa, os músicos tocando sós.
O teu quarto ao clarear o dia.
E, como é óbvio, o canto daqueles pássaros
no cemitério, numa manhã em Junho.
Amar é um lugar.
Perdura no mais fundo: é donde vimos.
E é o lugar onde vai ficando a vida.
Joan Margarit, no poema Amar é um lugar, do livro Misteriosamente feliz.
Clarice Lispector, em A descoberta do mundo.
Há tantas coisas que sentem a tua falta.
Todos os dias estão cheios de instantes que esperam
as mãos pequenas que, tantas vezes,
seguraram as minhas.
Haveremos de acostumar-nos à tua ausência.
Já passou um Verão sem os teus olhos
e o mar também acabará por se habituar.
A tua rua, durante muito tempo ainda,
esperará em frente à tua porta,
paciente, os teus passos.
Não se cansará nunca de esperar:
ninguém sabe esperar como uma rua.
E eu estou cheio desta vontade
de ser tocado por ti, olhado por ti.
E de que me digas o que fazer com a minha vida,
enquanto os dias com chuva ou céu azul
já vão organizando o silêncio.
Joan Margarit, no poema A Espera, do livro Misteriosamente Feliz.