Toda a gente tem a sua história de amor. Toda a gente. Pode ter sido um fiasco, pode ter-se evaporado, pode nem ter tido pernas para andar, pode ter sido só na cabeça, que isso não a torna menos real. Às vezes torna-a mais real. Às vezes vemos um casal, parecem entediados de morte um com o outro e não conseguimos imaginá-los a terem algo em comum, nem a razão por que ainda vivem juntos. Mas não é só o hábito ou indulgência ou conveniência, nada disso. É porque já tiveram uma história de amor. Toda a gente tem. É a única história.
Julian Barnes, em A única história.
https://observador.pt/especiais/douglas-stuart-fez-dos-traumas-ficcao-e-ganhou-o-booker-escrevi-shuggie-bain-porque-estava-a-tentar-voltar-para-casa/
Vergílio Ferreira, em Cântico Final.
O homem tem um lado de fora e um lado de dentro, alguma coisa que mostra aos outros e alguma coisa que esconde, e que está escondida aos outros. E do lado de dentro há coisas que pode comunicar e há outras que não. Em definitivo, o homem não pode ocupar-se de mais nada a não ser de si próprio, deste lado de dentro e deste lado de fora, e da comunicação para fora do lado de dentro.
Giorgio Colli, em La Ragione Errabonda, citado por Maria Filomena Molder, em Rebuçados Venezianos.
Cerra os olhos, esquece. A tarde fina evapora-se. No vale de sombras sobe, com as geadas, a prece eterna do fumo das lareiras, o breve aceno do adeus. Insensivelmente, o eco espectral da ribeira reabre-lhe o passado. Relembra-lhe o encontro com o pai, suspenso do tecto, a sua fuga alucinada para a montanha, o mar de neve em redor cobrindo de silêncio o mundo e a vida.
Vergílio Ferreira, em Cântico Final.