Esperar ou vir esperar querer ou vir querer-te
vou perdendo a noção desta subtileza.
Aqui chegado até eu venho ver se me apareço
e o fato com que virei preocupa-me, pois chove miudinho
Muita vez vim esperar-te e não houve chegada
De outras, esperei-me eu e não apareci
embora bem procurado entre os mais que passavam.
Se algum de nós vier hoje é já bastante
como comboio e como subtileza
Que dê o nome e espere. Talvez apareçaMário Cesariny, no poema Estação, do livro Poesia.
O nosso sonho é feito de cidades cultas,
com música e cafés familiares,
a majestade de um porto e estações
de ferro e de vidro com comboios brunidos pela noite
e pela chuva, a mesma chuva
que nos acompanha num pequeno hotel
ou nas janelas de um museu.
Há recantos ao abrigo de grandes árvores,
gente calada, educada e bem vestida
e as silenciosas livrarias
onde os olhos vagueiam enquanto cai a tarde.
Tantas cidades a que devíamos ter ido, meu amor.
A lua emerge para lá daquelas pontes de ferro
dos anos que mudaram a nossa lei.
Desde então o tempo é uma chuva
que nos inunda como inunda os telhados.
Mas na luz do pátio vemos os templos
de mármore branco e dourado travertino.
Encontramos, nas ruas de pequenas aldeias,
faustosos estuques cor de terra
esgrafiados pelo vento. Esta casa
da varanda e do pátio tem uma luz
de conversas e conforto. De nós,
aquele que ficar terá por companhia
a memória do cipreste e das heras
até nos reencontrarmos nas cidades do sonho.
Joan Margarit, no poema Tantas cidades a que devíamos ter ido, do livro Misteriosamente feliz.
com música e cafés familiares,
a majestade de um porto e estações
de ferro e de vidro com comboios brunidos pela noite
e pela chuva, a mesma chuva
que nos acompanha num pequeno hotel
ou nas janelas de um museu.
Há recantos ao abrigo de grandes árvores,
gente calada, educada e bem vestida
e as silenciosas livrarias
onde os olhos vagueiam enquanto cai a tarde.
Tantas cidades a que devíamos ter ido, meu amor.
A lua emerge para lá daquelas pontes de ferro
dos anos que mudaram a nossa lei.
Desde então o tempo é uma chuva
que nos inunda como inunda os telhados.
Mas na luz do pátio vemos os templos
de mármore branco e dourado travertino.
Encontramos, nas ruas de pequenas aldeias,
faustosos estuques cor de terra
esgrafiados pelo vento. Esta casa
da varanda e do pátio tem uma luz
de conversas e conforto. De nós,
aquele que ficar terá por companhia
a memória do cipreste e das heras
até nos reencontrarmos nas cidades do sonho.
Não aprendi a colher a flor
sem esfacelar as pétalas.
Falta-me o dedo menino
de quem costura desfiladeiros.
Criança, eu sabia
suspender o tempo,
soterrar abismos
e nomear as estrelas.
Cresci,
perdi pontes,
esqueci sortilégios.
Careço da habilidade da onda,
hei de aprender a carícia da brisa.
Trémula, a haste
me pede
o adiar da noite.
Em véspera da dádiva,
a faca me recorda, no gume do beijo,
a aresta do adeus.
Não, não aprenderei
nunca a decepar flores.
Quem sabe, um dia,
eu, em mim, colha um jardim?
sem esfacelar as pétalas.
Falta-me o dedo menino
de quem costura desfiladeiros.
Criança, eu sabia
suspender o tempo,
soterrar abismos
e nomear as estrelas.
Cresci,
perdi pontes,
esqueci sortilégios.
Careço da habilidade da onda,
hei de aprender a carícia da brisa.
Trémula, a haste
me pede
o adiar da noite.
Em véspera da dádiva,
a faca me recorda, no gume do beijo,
a aresta do adeus.
Não, não aprenderei
nunca a decepar flores.
Quem sabe, um dia,
eu, em mim, colha um jardim?
Mia Couto, em Poemas Escolhidos.
Conheci uma doente do Júlio de Matos que tinha o pavor das facas e das tesouras. Tinha trabalhado como cabeleireira e e tinha tido de deixar de trabalhar. Por ter aquele medo. O tratamento no hospital consistia em conseguir levar de casa até à consulta no hospital uma simples faca de sobremesa dentro da carteira. Sei que há muita gente que não percebe o heroísmo e o sofrimento de uma pessoa assim. Mas é brutal.
Há muito tempo que me
procuro.
Há muito tempo que sei
que aquele no espelho
não sou eu.
Fecha os olhos
e resolve assim
o que vês,
poderia alguém dizer.
E continuar:
interrompe
a luz que sustenta
o mundo
e verás que os espelhos
são, afinal, buracos.
Mas, por agora,
só o silêncio.
Há muito tempo que pergunto
estás aí?, és tu?
ouço
estou?, sou?
Há muito tempo que a resposta
não vem.
d.m
Pintura: La Reproduction Interdite, de René Magritte.
Algumas coisas que nos pareciam envelhecidas
de súbito brilham a uma nova luz:
o casaco puído ganha a elegância dos dias leves de outono
e um verso encontrado num tomo poeirento
ao arrumar os livros
ganha a sonoridade dos sopros da orquestra
no início ou final da sinfonia.
Assim é a ligeira orla dos dias:
ela pode renascer a qualquer hora.
Uma recordação perfeitamente inócua pode surgir
sem que lhe entendamos a razão ou o sentido
e o próprio amor nas suas intermitências
vem de muito longe assaltar-nos o coração.
Luís Filipe Castro Mendes, em Voltar.
Olho agora para o livro que me emprestaste
e que nunca devolvi. Também ele olha para mim.
Tem as marcas da tua leitura, certos vincos
no branco das páginas, manchas subtis e difusas
como nuvens, restos das tuas mãos ou do teu olhar.
Espero que não penses sobre mim o que penso
sobre as pessoas que nunca me devolveram
os livros que emprestei. O que pensarás tu
sobre mim? Nunca li o livro que me emprestaste,
preferi sempre imaginá-lo. Suponho que ainda
se sinta estrangeiro entre os meus livros,
mas agora é demasiado tarde para devolvê-lo,
há tanto tempo que não falamos, não sei
se ainda guardo o teu número de telefone.
O que pensarias se agora, a despropósito,
te quisesse devolver o livro? Havias de pensar
que queria alguma coisa. Sabes, fico com o teu
livro porque não quero nada. Provavelmente,
nunca te devolverei este livro, fará parte do
meu espólio, é a última ligação que temos.
José Luís Peixoto, em Regresso a Casa.
José Luís Peixoto, em Regresso a Casa.
Take a polaroid photo of someone you secretly lust for and whose picture you don't have.
Don't rush. Take your time. It is important that the portrait comes out perfect.
Without looking at the photograph, put it in an envelope, still white and undeveloped, immediately after it comes off the camera.
Seal the envelope carefully, hide it in a secure place and never, never open it again.
Julião Sarmento, SECRET (2020).
Escrevo por não ter nada a fazer no mundo: sobrei e não há lugar para mim na terra dos homens. Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, eu me morreria simbolicamente todos os dias. Mas preparado estou para sair discretamente pela saída da porta dos fundos. Experimentei quase tudo, inclusive a paixão e o seu desespero. E agora só quereria ter o que eu tivesse sido e não fui.
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