Tomavam-na por minha avó, sobretudo na infância, quando andávamos juntos na rua. Sei que gostava discretamente desse equívoco, e nem era bem um equívoco. Agora já não andará mais comigo. É a nossa infância que morre quando morrem aqueles a que ela assistiram, ou é já o começo de da nossa morte, porque a infância, que nos fez, deixa de ter outras testemunhas?
Recebi a notícia da sua morte na sexta-feira de Páscoa. É difícil imaginar uma data que se lhe adequasse tanto. Porque ela não sabia do sofrimento por terceiros, mas por experiência própria; e porque acreditava, com mais fé ainda do que a proverbial "fé do carvoeiro", que a morte não é o fim. Dizer que era a pessoa mais cristã que já conheci talvez não peque por exagero. O que me impressionou em tempos, e agora ainda me impressiona mais, é que conseguisse, não sei se por causa da fé, dar aquilo que não tinha, que nunca tinha tido, que dava naturalmente sem que tivesse recebido. 

Pedro Mexia, no Expresso.